segunda-feira, 31 de julho de 2023

Que mal faria mais uma cerveja agora?
Ou uma dose do mais quente absinto,
Para me esquecer da saudade que sinto
Desde que ela resolveu ir embora.

Queria não ter aberto tal caixa de Pandora.
Não precisaria afogar-me em vinho tinto,
Nem me perderia nesse imenso labirinto
Onde um segundo demora uma hora.

Aqui, onde o tempo não quer passar,
Onde não adianta a ampulheta virar.
Nem o melhor relógio suíço pegaria corda.

Perdido no vazio deste universo infindo,
Sigo sem rumo e para todos mentindo:
Bebamos pois a felicidade transborda!

V.

quarta-feira, 19 de julho de 2023

Quando ele olhou suas fotos daquela vez,
Prometeu que nunca mais sofreria,
Que não perderia mais um minuto do dia
Gastando com ela seu péssimo francês.

Mas ele faz essa promessa todo mês,
E escreve para ela mais uma poesia.
Uma paixão que lhe causa hiperalgesia,
Fazendo o poeta sucumbir aos clichês.

Uma promessa impossível de cumprir,
A "porta da esperança" que escolheu abrir
Sozinho, não traz prêmio algum consigo.

Como que ele enterrará tanto amor?
Conseguirá viver num solitário esplendor
Sendo vítima do seu próprio fogo amigo?

V.

sábado, 8 de julho de 2023

"Todas as cartas de amor são Ridículas."
Mas quem se importa?
Só quem nunca amou e escreveu;
Só aquele que nunca (nunca!) viveu
Um amor Ridículo, como todo amor deve ser.
Pois amores, por definição, são Ridículos. 
E se não há o que escrever, se não há amor,
Mais Ridícula é a vida de quem nunca amou.

V.

quarta-feira, 5 de julho de 2023

Tornei-me poeta ou já nasci assim?
Escrever é um hábito ou minha sina?
É o mundo imaginário que me fascina,
Onde me escondo do real, chinfrim?

Aonde eu vou, as rimas vão até mim.
Sinto crescer, de maneira paulatina,
Uma sede de versos que nem cajuína
Mata. Sinto-me como um Arlequim.

Que existe somente para entreter.
Invisível para amores que poderia ter.
Escrevendo para inalcançável Musa.

E se foi por ela que me tornei poeta?
Céus, essa dúvida ainda me inquieta!
Mas por ela já nasci poeta: minha deusa.

V.

sábado, 1 de julho de 2023

Ontem eu não sonhei contigo, infelizmente.
Lia meus próprios pensamentos, flutuando,
Hora estava amando, outra hora, odiando,
Odiando a mim mesmo e a minha mente.

Sonhos estranhos são como uma lente:
Caleidoscópio onírico, lembranças girando.
As boas memórias com outras ruins sobrepondo.
Solitário no sonho, sozinho só, somente.

Tive um sonho e tu não estavas nele, Ma Chérie.
A minha mente - meu reflexo - já não sorri,
Não esboça nem um sorriso cínico, falso.

Hoje, ainda tenho esperanças que sonharei
O sonho que pra ti já várias vezes imaginei,
Sonho para compartilhar, divino, excelso.

V.

segunda-feira, 26 de junho de 2023

Rimar não é difícil, 
O problema é caber na métrica.
É cada estrofe assimétrica
Que tentar chega a ser inútil.

Mas rimar mesmo, ah, é fácil.
Aí você olha e do nada uma frase quilométrica,
Com palavras estranhas, tipo "feérica", "quimérica"...
E então vem outro verso, agora maior que um palácio.

Queria ter habilidade para ser parnasiano.
Ser com a métrica menos leviano,
E evitar usar palavras como "biribas".

Meu sonho é rimar como Augusto dos Anjos,
Que meteu num de seus arranjos:
"Profundissimamente hipocondríaco", em dez sílabas!

V.



sábado, 24 de junho de 2023

Na arte da melancolia eu sou Picasso.
Rabisco tristeza com traços surreais.
Sou a "quarta-de-cinzas" dos carnavais,
Um picadeiro em funeral de palhaço.

Das lágrimas em ebulição, o mormaço.
A lúgubre névoa molha meus enxovais.
Sonhos com entrelaçamentos carnais
Rasgam-me como uma lâmina de aço.

Sonho augusto, dos anjos e demônios,
Bestas-feras que exalam feromônios
Para mascarar a tristeza da existência.

Nesse sonho acordado, jogo serpentina
No velório em que a plateia escrutina:
Minha misantropia nasce na tua ausência.

V.

sábado, 10 de junho de 2023

Dê-me apenas fármacos, companheiro.
Sem julgamentos, tampouco conversa.
Não quero descobrir a causa, tenho pressa.
Quem não vive depressa morre ligeiro.

Há quem goste de viajar de passageiro,
Mas eu mesmo prefiro dirigir, à beça!
Esse sentimento o meu corpo atravessa,
Dizem até que noutra vida fui timoneiro.

Prescreva-me seus melhores fármacos,
Os que causam uns bons efeitos orgíacos.
Para que eu curta a vida de maneira rápida.

Num jogo rápido de palavras, a vida encurta,
Sigo pela braquistócrona que me sepulta.
Escreva "foi-se fugaz" na minha lápida.

V.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Tem uma barata suja na minha sala.
Para o meu azar, a miserável até voa,
O nojento bater de suas asas ecoa!
Ó céus, eu conseguirei afugentá-la?

Que fique claro: não quero matá-la!
Veja bem, ainda possuo uma alma boa!
Mas alma boa também amaldiçoa,
E dependendo do caso até apunhala.

Mas voltemos a falar sobre a barata.
Infame surpresa numa noite ingrata,
Que no começo parecia promissora...

Mas do absoluto nada surge tal inseto,
Esse ser fétido, feio, totalmente abjeto.
E eu caio na real: que noite aterradora!

V.

sábado, 27 de maio de 2023

Quão vanguardista eu seria se,
Digo, apenas se, eu não fosse "eu"?
O quão derivado é o que é meu?
O que de novo traz minha arte, em si?

Seria apoteótico se eu tentasse
Criar nova arte como um deus ateu?
Iluminaria os mortais, como Prometeu,
Se eu também mortal não fosse?

Espaço-tempo do futuro do pretérito,
Teria nascido meu poeta favorito.
Ser aquele para quem se diz amém.

No futuro do meu passado diferente,
A poesia queimaria sem comburente.
Lá, tão somente, eu seria Jorge Ben.

V.
Fez-se eterna, ó tão efêmera noite.
Breve e brilhante, como ignis fatuus.
Fogo que queima, chicote de açoite,
Nas mãos pequenas de uma Succubus.

Fez-se breve, ó tão eterna noite.
Fogo de santelmo na ponta dos mastros.
Boitatá assusta, mas não se afoite,
A noite logo vira dia graças aos Exus.

Uma noite que cabe uma vida inteira,
Noite e dia, madrugada alcoviteira.
Fata Morgana que ascende no horizonte,

Mas logo desce e pra sempre some.
Breve noite eterna que o homem come,
Nasce o dia dentro do barco de Caronte.

V.
Vivo num mundo onde o céu é roxo.
O chão é laranja e ninguém se ama.
As pessoas apenas dividem a cama.
Toda mão se segura num aperto frouxo.

Poesias acabaram, todo amor é chocho.
Paixões rápidas encontradas na lama,
Todas elas com apagada flama,
Presas fáceis para o bico de um mocho.

O predador noturno de olhos castanhos,
Voa no céu roxo à procura de estranhos,
Para satisfazer os seus desejos insólitos.

Quando enfim acha a quem procura,
No chão laranja, não ama, tampouco segura.
Prega esse modo de vida aos seus acólitos.


Jesús Osefel.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Sim, eu quero ouvir você falar sobre.
Sim, interessa-me muito o seu dia.
Diga-me o nome de cada Gás Nobre,
Fale-me sobre o livro que você lia.

Não importa o assunto, escutarei.
O que lhe deixa entusiasmada, feliz.
Prometo que eu também estudarei,
Aceite-me como seu aprendiz.

Assista comigo o seu filme favorito,
Envie-me músicas naquele aplicativo,
Com suas teorias e considerações.

Mostre-me a receita que quer fazer.
E qual o drink você quer beber.
Sincronize os nossos corações.

V.

sábado, 20 de maio de 2023

Passarei outro período longe dos clichês.
Aposento compulsoriamente minha pena.
Não decorei o texto da minha última cena,
E gastei o que restava da voz nos karaokês.

No palco, calado: esqueci como se fala poetês.
Desço sob vaias, gritos, cada palavra obscena!
Empalideço enquanto a criatividade gangrena,
E tudo que me vem à mente é: talvez, talvez!

Talvez seja o momento certo de ficar calado.
Talvez eu mereça sair de cena escrachado.
Sou testemunha de cada merda que aprontei.

Sinto-me indigno de rimar, não sou poeta,
Sou uma pessoa ordinariamente abjeta.
Com essa última poesia engasgarei e morrerei.

V.
Esse não é mais um conto de Pierrot,
Isso eu prometo, mas sim de um tolo,
Que nas noites quentes busca consolo.
Volta para casa sentindo-se usado bibelô.

Confunde-se com uma narrativa de Truffaut.
Sai e apaixona-se com premeditado dolo.
Coloca a máscara de bom moço e um frívolo,
Porém chamativo, adereço em tons bordô.

Mal sabia ele que numa dessas aventuras,
Recheada de poesias e eternas juras,
Conheceria tão deslumbrante Colombina.

Mas como prometi, o Pierrot apaixonado
Não termina com a Colombina abraçado.
Finda sua vida nos braços d'outra messalina.

V.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Dê-me um copo cheio de Bukowski
E uma ponta apagada de charuto.
Lerei mais uma rima de whisky
Enquanto bebo um poema fajuto.
É por mim que os copos dobram,
Ao chorar a saudade de quem já amei.
Vão-se amores vazios, rimas sobram:
Soco na boca dado por Hemingway.
Das minhas putas tristes, boas memórias.
Destiladas do mosto de Garcia Márquez.
No fundo da garrafa: gotas de estórias.
Todas sobre álcool, beijos e toques.
Bebo todos eles, tenho ressaca de rimas,
E fumo pontas de paixões ilegítimas.

V.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Nada é fácil para um canceriano.
Dias longos, noites deprimentes,
Esmagado por traumas contundentes.
Um peso inumanamente profano.

Nada é fácil para um canceriano.
Rodeado por presenças ausentes,
Impregnado de crenças descrentes,
Uma vítima do próprio cotidiano.

Sempre carregado pelas tormentas
Em profundas águas agourentas,
Que desidratam a vontade de viver.

Aprisionado em vórtices de desilusão,
Sendo apedrejado pela própria mão,
Revivendo uma noite sem alvorecer.

V.

terça-feira, 25 de abril de 2023

Ozymandias, de P. B. Shelley

Vindo de antiga Terra encontrei um viajante
Que disse: - Ali estão enormes pernas de pedra,
Sem corpo, no deserto não tão distante,
Soterrado, um rosto jaz com feições de alerta,
E um sorriso oblíquo de quem era arrogante.
Seu escultor talhou com maestria cada paixão,
Emanando da pedra sem vida vereis
A mão que zombava e ao que nutria o coração.
No pedestal encontrareis tais escritos:
"Meu nome é Ozymandias, e sou Rei dos Reis:
Minha obra, Ó Grandes, gela os seus espíritos!"
Nada porém resta. Além da decadência
Daquelas ruínas vereis com nitidez
Apenas areia, e toda sua complacência.

Tradução: V.

sexta-feira, 21 de abril de 2023

Soneto n° 14, de Shakespeare.

Meu juízo não vem das estrelas;
E olhe que eu entendo de astronomia,
Mas não a ponto de anteceder mazelas,
Nem pragas, ou se irá bem a agronomia.

Não adivinho nem a sorte imediata,
Para apontar os infortúnios de alguém,
Ou evitar que o príncipe caia em negociata,
E predizendo coisas do além:

Mas dos teus olhos vem minha sabedoria,
As estrelas eternas, lá vejo com clareza
A beleza e verdade florescerem, em teoria,
Se em ti gestares tamanha pureza;

Do contrário, que minhas rimas não te iludam:
Toda tua verdade e beleza em ti findam.

Tradução: V.

segunda-feira, 17 de abril de 2023

Eu sou o clássico bon-vivant.
Boêmio e um tanto emocionado,
Mas por dentro triste como um fado,
Que para beber venderia a alma a Satã.

Não levo minhas tristezas para o divã.
Se guardá-las não serei julgado,
E terei apenas da vida gozado
Sem nunca me preocupar com o amanhã.

O que mais poderia querer um boêmio?
Viver a boa vida já é suficiente prêmio,
Mesmo com inevitável fim trágico.

Amigos para beber e um amor inglório.
Mas acabada a farra ninguém irá ao velório
Deste triste poeta vadio e verborrágico.

V.

sábado, 15 de abril de 2023

Hypochondriasis

I already wrote my will.
Living in constant pain,
Sickness inside my brain.
The Death's icy Scythe... I feel.

I am prepared, but I feel this thrill.
My thoughts, I know, will remain,
While I die over and over again,
Ecchoing that painful sensation of chill.

Suffering with so many diseases.
The Death's blow freezes,
And then I see the light.

My chilled skin erupts.
The Scythe my life interupts.
I am so damn sick to fight.

V.

terça-feira, 4 de abril de 2023

Estou farto de todo esse Romantismo.
Dessa sensação de viver mentindo,
Sobre tudo o que estou ou não sentindo...
Sei que isso não passa de um sofismo.

Vês a relação entre Musas e pragmatismo?
Estive ontem mesmo refletindo,
E quando já estava quase desistindo,
Vi meu reflexo numa gota de Realismo.

O que se espera de uma poesia romântica?
E nem entro na seara da semântica,
Meu Eu-lírico deprimido, meu interlocutor.

Indago a todos os "Eus" que me compõem,
Todas as verdades que se sobrepõem,
Afinal, eu sou o meu próprio acusador.

V.

domingo, 2 de abril de 2023

Momo.

Miríade de sentimentos, alguns confusos.
Outros claríssimos, porém conflitantes.
Meu julgamento falha ao tentar acompanhar,
Outrossim, não há verdade mais Clara.

V.

segunda-feira, 13 de março de 2023

Eu vejo o urubu. Eu, já em espírito.
Ele está comendo o que sobrou de mim.
O capítulo final do meu aguardado fim,
Escrito pelo meu animal favorito.

Eles estão sentindo meu odor eférito,
Sobrevoam minha carcaça, enfim.
Todos coreografados, assim
Como na mórbida Dança de São Vito.

Um a um sobre mim eles vêm pousando,
Minha carne todos seguem bicando,
Ah, pelo menos dor eu já não sinto!

Assisto admirado como a Natureza,
Orquestra com maestria e beleza,
O sepultamento do meu Eu-lírico extinto.

V.
Sonhei que caía no Vale do Esquecimento.
Um desses sonhos sem muito sentido,
Na verdade, um pesadelo enrustido,
Que me causou verdadeiro tormento!

Fiquei atordoado por um breve momento.
Então percebi o que tinha acontecido:
Vivi minutos daquilo que não queria ter vivido
Nem mesmo em um mundo de pensamento.

Não quero ser esquecido assim, prefiro a morte!
Que a foice gelada do Ceifador me corte,
Que este seja meu último pequeno egoísmo.

Pois é triste a vida daquele que não é lembrado.
Antes morto do que vivo e rejeitado,
Pás de terra pesam menos que viver no cinismo.

V.

Foi escrito em vão; nunca será lido.
Intoxicado com Ultrarromantismo.
Rimas de uma paixão vazia; Abismo.
Um sentimento não correspondido?

E se o meu bem-querer tivesse lido?
Sofrerei pra sempre desse fobismo,
Que me sufoca todo positivismo;
Anseio que eu tivesse morrido.

Como disse um poeta no seu diário afã:
E se eu de fato morresse amanhã?
Ela nunca leria minha última poesia!

Talvez nem ouviria por aí que morri.
Mas ao acidente de amanhã já sobrevivi,
E mesmo assim ela nunca saberia.

V.