segunda-feira, 13 de março de 2023

Eu vejo o urubu. Eu, já em espírito.
Ele está comendo o que sobrou de mim.
O capítulo final do meu aguardado fim,
Escrito pelo meu animal favorito.

Eles estão sentindo meu odor eférito,
Sobrevoam minha carcaça, enfim.
Todos coreografados, assim
Como na mórbida Dança de São Vito.

Um a um sobre mim eles vêm pousando,
Minha carne todos seguem bicando,
Ah, pelo menos dor eu já não sinto!

Assisto admirado como a Natureza,
Orquestra com maestria e beleza,
O sepultamento do meu Eu-lírico extinto.

V.
Sonhei que caía no Vale do Esquecimento.
Um desses sonhos sem muito sentido,
Na verdade, um pesadelo enrustido,
Que me causou verdadeiro tormento!

Fiquei atordoado por um breve momento.
Então percebi o que tinha acontecido:
Vivi minutos daquilo que não queria ter vivido
Nem mesmo em um mundo de pensamento.

Não quero ser esquecido assim, prefiro a morte!
Que a foice gelada do Ceifador me corte,
Que este seja meu último pequeno egoísmo.

Pois é triste a vida daquele que não é lembrado.
Antes morto do que vivo e rejeitado,
Pás de terra pesam menos que viver no cinismo.

V.

Foi escrito em vão; nunca será lido.
Intoxicado com Ultrarromantismo.
Rimas de uma paixão vazia; Abismo.
Um sentimento não correspondido?

E se o meu bem-querer tivesse lido?
Sofrerei pra sempre desse fobismo,
Que me sufoca todo positivismo;
Anseio que eu tivesse morrido.

Como disse um poeta no seu diário afã:
E se eu de fato morresse amanhã?
Ela nunca leria minha última poesia!

Talvez nem ouviria por aí que morri.
Mas ao acidente de amanhã já sobrevivi,
E mesmo assim ela nunca saberia.

V.