sábado, 27 de maio de 2023

Quão vanguardista eu seria se,
Digo, apenas se, eu não fosse "eu"?
O quão derivado é o que é meu?
O que de novo traz minha arte, em si?

Seria apoteótico se eu tentasse
Criar nova arte como um deus ateu?
Iluminaria os mortais, como Prometeu,
Se eu também mortal não fosse?

Espaço-tempo do futuro do pretérito,
Teria nascido meu poeta favorito.
Ser aquele para quem se diz amém.

No futuro do meu passado diferente,
A poesia queimaria sem comburente.
Lá, tão somente, eu seria Jorge Ben.

V.
Fez-se eterna, ó tão efêmera noite.
Breve e brilhante, como ignis fatuus.
Fogo que queima, chicote de açoite,
Nas mãos pequenas de uma Succubus.

Fez-se breve, ó tão eterna noite.
Fogo de santelmo na ponta dos mastros.
Boitatá assusta, mas não se afoite,
A noite logo vira dia graças aos Exus.

Uma noite que cabe uma vida inteira,
Noite e dia, madrugada alcoviteira.
Fata Morgana que ascende no horizonte,

Mas logo desce e pra sempre some.
Breve noite eterna que o homem come,
Nasce o dia dentro do barco de Caronte.

V.
Vivo num mundo onde o céu é roxo.
O chão é laranja e ninguém se ama.
As pessoas apenas dividem a cama.
Toda mão se segura num aperto frouxo.

Poesias acabaram, todo amor é chocho.
Paixões rápidas encontradas na lama,
Todas elas com apagada flama,
Presas fáceis para o bico de um mocho.

O predador noturno de olhos castanhos,
Voa no céu roxo à procura de estranhos,
Para satisfazer os seus desejos insólitos.

Quando enfim acha a quem procura,
No chão laranja, não ama, tampouco segura.
Prega esse modo de vida aos seus acólitos.


Jesús Osefel.

quinta-feira, 25 de maio de 2023

Sim, eu quero ouvir você falar sobre.
Sim, interessa-me muito o seu dia.
Diga-me o nome de cada Gás Nobre,
Fale-me sobre o livro que você lia.

Não importa o assunto, escutarei.
O que lhe deixa entusiasmada, feliz.
Prometo que eu também estudarei,
Aceite-me como seu aprendiz.

Assista comigo o seu filme favorito,
Envie-me músicas naquele aplicativo,
Com suas teorias e considerações.

Mostre-me a receita que quer fazer.
E qual o drink você quer beber.
Sincronize os nossos corações.

V.

sábado, 20 de maio de 2023

Passarei outro período longe dos clichês.
Aposento compulsoriamente minha pena.
Não decorei o texto da minha última cena,
E gastei o que restava da voz nos karaokês.

No palco, calado: esqueci como se fala poetês.
Desço sob vaias, gritos, cada palavra obscena!
Empalideço enquanto a criatividade gangrena,
E tudo que me vem à mente é: talvez, talvez!

Talvez seja o momento certo de ficar calado.
Talvez eu mereça sair de cena escrachado.
Sou testemunha de cada merda que aprontei.

Sinto-me indigno de rimar, não sou poeta,
Sou uma pessoa ordinariamente abjeta.
Com essa última poesia engasgarei e morrerei.

V.
Esse não é mais um conto de Pierrot,
Isso eu prometo, mas sim de um tolo,
Que nas noites quentes busca consolo.
Volta para casa sentindo-se usado bibelô.

Confunde-se com uma narrativa de Truffaut.
Sai e apaixona-se com premeditado dolo.
Coloca a máscara de bom moço e um frívolo,
Porém chamativo, adereço em tons bordô.

Mal sabia ele que numa dessas aventuras,
Recheada de poesias e eternas juras,
Conheceria tão deslumbrante Colombina.

Mas como prometi, o Pierrot apaixonado
Não termina com a Colombina abraçado.
Finda sua vida nos braços d'outra messalina.

V.

quinta-feira, 18 de maio de 2023

Dê-me um copo cheio de Bukowski
E uma ponta apagada de charuto.
Lerei mais uma rima de whisky
Enquanto bebo um poema fajuto.
É por mim que os copos dobram,
Ao chorar a saudade de quem já amei.
Vão-se amores vazios, rimas sobram:
Soco na boca dado por Hemingway.
Das minhas putas tristes, boas memórias.
Destiladas do mosto de Garcia Márquez.
No fundo da garrafa: gotas de estórias.
Todas sobre álcool, beijos e toques.
Bebo todos eles, tenho ressaca de rimas,
E fumo pontas de paixões ilegítimas.

V.

quarta-feira, 17 de maio de 2023

Nada é fácil para um canceriano.
Dias longos, noites deprimentes,
Esmagado por traumas contundentes.
Um peso inumanamente profano.

Nada é fácil para um canceriano.
Rodeado por presenças ausentes,
Impregnado de crenças descrentes,
Uma vítima do próprio cotidiano.

Sempre carregado pelas tormentas
Em profundas águas agourentas,
Que desidratam a vontade de viver.

Aprisionado em vórtices de desilusão,
Sendo apedrejado pela própria mão,
Revivendo uma noite sem alvorecer.

V.