segunda-feira, 26 de junho de 2023

Rimar não é difícil, 
O problema é caber na métrica.
É cada estrofe assimétrica
Que tentar chega a ser inútil.

Mas rimar mesmo, ah, é fácil.
Aí você olha e do nada uma frase quilométrica,
Com palavras estranhas, tipo "feérica", "quimérica"...
E então vem outro verso, agora maior que um palácio.

Queria ter habilidade para ser parnasiano.
Ser com a métrica menos leviano,
E evitar usar palavras como "biribas".

Meu sonho é rimar como Augusto dos Anjos,
Que meteu num de seus arranjos:
"Profundissimamente hipocondríaco", em dez sílabas!

V.



sábado, 24 de junho de 2023

Na arte da melancolia eu sou Picasso.
Rabisco tristeza com traços surreais.
Sou a "quarta-de-cinzas" dos carnavais,
Um picadeiro em funeral de palhaço.

Das lágrimas em ebulição, o mormaço.
A lúgubre névoa molha meus enxovais.
Sonhos com entrelaçamentos carnais
Rasgam-me como uma lâmina de aço.

Sonho augusto, dos anjos e demônios,
Bestas-feras que exalam feromônios
Para mascarar a tristeza da existência.

Nesse sonho acordado, jogo serpentina
No velório em que a plateia escrutina:
Minha misantropia nasce na tua ausência.

V.

sábado, 10 de junho de 2023

Dê-me apenas fármacos, companheiro.
Sem julgamentos, tampouco conversa.
Não quero descobrir a causa, tenho pressa.
Quem não vive depressa morre ligeiro.

Há quem goste de viajar de passageiro,
Mas eu mesmo prefiro dirigir, à beça!
Esse sentimento o meu corpo atravessa,
Dizem até que noutra vida fui timoneiro.

Prescreva-me seus melhores fármacos,
Os que causam uns bons efeitos orgíacos.
Para que eu curta a vida de maneira rápida.

Num jogo rápido de palavras, a vida encurta,
Sigo pela braquistócrona que me sepulta.
Escreva "foi-se fugaz" na minha lápida.

V.

quinta-feira, 1 de junho de 2023

Tem uma barata suja na minha sala.
Para o meu azar, a miserável até voa,
O nojento bater de suas asas ecoa!
Ó céus, eu conseguirei afugentá-la?

Que fique claro: não quero matá-la!
Veja bem, ainda possuo uma alma boa!
Mas alma boa também amaldiçoa,
E dependendo do caso até apunhala.

Mas voltemos a falar sobre a barata.
Infame surpresa numa noite ingrata,
Que no começo parecia promissora...

Mas do absoluto nada surge tal inseto,
Esse ser fétido, feio, totalmente abjeto.
E eu caio na real: que noite aterradora!

V.