domingo, 29 de dezembro de 2024

"Má-literação"

Malsã misantropia maniqueísta,
Mais que uma maldição mefistofélica,
É um murmúrio, uma música maléfica,
Maliciosamente marinista.

Melodia de harmonia masoquista,
Monótona canção melodramática.
Uma monstruosidade melancólica
Das mãos deste mordaz Mensuralista.

À Musa, que maltrata a minha mente.
À sua faca, que fere mortalmente
A mim, tão malfadado Menestrel.

As minhas mãos montam a misancene
Para minha melífera Melpômene,
Musa do meu mofado mausoléu.

V.

segunda-feira, 16 de dezembro de 2024

Vejo um reflexo trêmulo, tão pálido,
Com um olhar perdido e melancólico,
Nas águas do infortúnio diabólico
Que a travessia custa um óbolo gélido.

O barqueiro tenaz navega intrépido
Nesse hediondo martírio, amargo e cíclico,
Descendo para o inferno metafísico
Onde a húbris queimará meu coração hórrido.

No Tártaro, minha última parada,
Os pecados de uma alma perturbada
Emergirão da própria consciência.

E o que deveria entrar como uma farpa,
Com a loucura adoçada pela sapa
Não passará de pura autoindugência.

V.


segunda-feira, 9 de dezembro de 2024

Estou vendo urubus. Eu, já em espírito.
Estão comendo o que sobrou de mim.
Escrevendo, assim, meu aguardado fim.
Uma obra do meu animal favorito.

Eles estão sentindo meu odor eférito,
Sobrevoando minha carcaça, enfim.
Todos coreografados, assim
Como na doentia Dança de São Vito.

Um a um sobre mim eles seguem pousando,
A minha carne continuam bicando,
Ah, pelo menos dor eu já não sinto!

É extraordinário como a Natureza
Orquestra com maestria e beleza,
O enterro do meu Eu-lírico extinto.

V.


sábado, 30 de novembro de 2024

O acaso em suas facetas anabólicas,
Com suas tempestuosas mutações,
Formando interatômicos grilhões,
Criando e aniquilando sombras cósmicas.

Com rimas que contém forças entrópicas,
Compondo versos cheios de digressões,
Desordem tecerá suas ilusões
Nesta filosofia de bases caóticas.

E é no Caos, vibrando em descompasso,
Onde o vazio preenche todo o espaço,
Que pensar pesará menos que nada.

É neste inexorável paradoxo
Que a mente do filósofo ortodoxo
Fica anestesiada e derrotada.

V.



sábado, 23 de novembro de 2024

Procurando meus heterônimos pelo Éter
Deparei-me com restos de decomposta matéria.
E na sanguinolência de uma sarcófaga bactéria
Chegou ao fim a existência de um mau-caráter.

Fertilizando o solo com a benção de Deméter,
O que era vida de carne, pele, osso, cabelo, artéria,
Mas também feita de tristeza, dor, ódio e miséria,
Finda na sopa protéica que os vermes chamam "Alma Mater"

É o ciclo de todas as relações ontológicas.
Apocalipse dos micróbios, essas células metódicas,
Que dominam os restos daquele que se dizia racional.

Na quintessência hipotética da minha mente maldita
Jaz meu último alter ego de arrogância infinita,
Sendo comido pela Terra como qualquer outro animal.

V.


sexta-feira, 8 de novembro de 2024

O canto escuro do quarto assombra-me.
Já passa da meia-noite, acendo a luz,
Mato a escuridão que meu espírito seduz.
Encaro o canto escuro, tenebroso e infame.

E digo: "se há alguém aí, fale o seu nome!"
Nenhuma resposta, mas algo entreluz...
De pronto, uno meus dedos em cruz!
Sinto que nos pulmões o ar já some.

As pernas trepidam, sinto faltar-me o chão.
Quando o pavor já quase tomava conta, então
Percebo que é a foice da Morte que ali cintila.

E com o meu destino selado por Átropos,
Todos os meus diferentes "eus" misantropos
Sorriem para a foice aguardando a hora de senti-la.

V.

segunda-feira, 4 de novembro de 2024

Mais um soneto metalinguístico... sério?
E nem é um desses que se pode rotular vivaz.
Escrevam logo na minha testa: "Aqui jaz
Um poeta que nunca fez da escrita um mistério."

Esperarei a visita de Erato nesse cemitério
De rimas pobres, todas sobre o que um poeta faz.
Será que se eu vendesse minha alma para Satanás
Conseguiria enfim escrever um texto não estéril?

Será que me falta uma Musa de verdade,
Que me faria debruçar sobre o papel com vontade
Até que uma poesia livre de amarras surgisse?

De fato, estou triste com o poeta que me tornei,
Em nenhum reino posso dizer que sou amigo do Rei.
Meus versos carregam o amargo selo da breguice.

V.


quarta-feira, 30 de outubro de 2024

Uma mochila no ombro, uma garrafa na mão.
Lutando contra meus próprios demônios sedentos
Enquanto vou sendo levado pelos maus ventos.
Sigo com os olhos pesados pela estrada da solidão.

Levo comigo apenas a certeza que tudo foi em vão.
Abandonei pelo caminho todos os meus lamentos,
E enterrei no fundo da memória os bons momentos
Vividos em priscos tempos que jamais voltarão.

Torço para que um dia esqueçam que fui poeta,
Talvez assim eu acalme minha mente inquieta
E viva um pouco menos num mundo de fantasia.

Não é que Arcádia nunca mais será meu lar,
Mas por enquanto garanto que seguirei sem parar.
Irei para o mais longe possível de qualquer poesia.

V.


quarta-feira, 25 de setembro de 2024

Reza a lenda que um dia uma linda Sereia,
Ansiando nova aventura, saiu do mar.
Yemanjá assistia encantada quando lá na areia
A Sereia batendo palmas começou a sambar.

Nas pontas dos novos pés, o pulmão cheio de ar,
Na sua nova vida terrena, que o Sol incandeia,
A Sereia dançante andava pela praia, ainda alheia,
Molhando o corpo bronzeado para a pele salgar.

O que ela não sabia é que além do horizonte
Rimava um Poeta, uma ode a Sereia estonteante.
Essa que ele nem sonhava que um dia conheceria.

Inexplicavelmente quiseram as teias do destino
Revelar ao Poeta os caminhos de um amor tão divino:
Amor de Sereia, de samba, de mar e de Poesia.

V.

domingo, 22 de setembro de 2024

Às vezes não parece, mas sei falar de amor.
Já escrevi lindos sonetos românticos,
As poucas que receberam tais cânticos
Com certeza nunca esquecerão do autor.

Quem já recebeu um poema doce como alfajor
Não se contentará com versos patéticos.
Azar de quem não tiver dons poéticos,
Esses, que comprem chocolates ou flor.

Piadas à parte (na verdade, arrogância),
Não tenho toda essa rutilância,
Sou um monstro feito de pura escuridão.

Se meu papel às vezes brilha,
Se eu escrevo sobre alguma maravilha,
É apenas por causa da Musa da minha canção.

V.

sábado, 21 de setembro de 2024

Não mereço nenhuma das paixões que despertei.
Tampouco os amigos que fiz.
Meu valor está no fundo das garrafas que sequei,
No meu charme e nos meus ardis.

Não caia na teia da minha rima infeliz,
No conto do meu eu-lírico que eu mesmo defenestrei,
E cujos delirantes versos febris
Descaradamente usurpei.

Não se iluda com o meu ritmo,
Com a métrica do meu verso íntimo,
E nem com meus textos autodepreciativos.

Eu não mereço sua admiração.
A beleza do meu magoado coração
Já foi eclipsada por incontáveis curativos.

V.

domingo, 15 de setembro de 2024

Chegou a temida noite de domingo.
A Besta-fera de dez diademas
Que rasga meu peito buscando poemas.
Mas quase nada rima com domingo!

Não se acha nem mesmo um "i" sem pingo!
Domingo é como um par de algemas,
Prendem as mãos até verterem postemas,
A razão de todo o meu choramingo.

Que dia maldito! E há quem o chame "santo".
O maior culpado por esse meu pranto
Que ninguém me ajuda a enxugar.

Mas para ser justo, a Besta-fera sou eu.
Rasgo e destruo tudo o que é meu
Na esperança de a minha tristeza expurgar.

V.
Hoje bateu-me uma tristeza sem par.
Pegarei a próxima saída,
Não participarei mais da tua vida.
Au revoir.

Tu não precisas de alguém para rimar
Versos sobre uma realidade dolorida.
A minha mente iludida
Não te colocará mais num altar.

A inspiração acabou.
Isto era pra ser um soneto, mas morre aqui.

V.

sábado, 14 de setembro de 2024

Eu sei o que eu preciso fazer.
Sei que será doloroso,
Já sinto até o gosto terroso
Que sobe à boca quando penso em dizer.

Terei que aprender a conviver
Com esse sentimento ulceroso,
Que me mata por dentro deixando-me ansioso,
E faz-me desfalecer.

E se eu continuar a nadar contra a correnteza:
Afogar-me-ei, com certeza!
E não teria dinheiro para um velório agora.

Às vezes nem parece que sou tão inteligente,
Pois me coloco em cada situação deprimente
Que nem parece que ainda quero ver outra aurora.

V.

terça-feira, 10 de setembro de 2024

Queria poder escrever sobre um belo jardim.
Cheio de árvores e flores de todas as cores,
E diversos animais correndo livres sem pastores,
Como era nessa terra Tupiniquim.

Mas o mundo onde vivo está londe de ser assim.
Os burgueses com seus mecanismos opressores
Cultivam nessa terra fértil apenas horrores.
São mais inimigos da madeira viva do que o cupim.

Eles estão em guerra contra a vida,
Salgam e queimam a nossa carne, já moída,
Para matar apenas a fome de quem já está de barriga cheia.

Para quem trabalha sobram as comidas envenenadas,
O fogo e a fumaça das pavorosas queimadas
Causadas pela burguesia podre que nos odeia.

V.

domingo, 1 de setembro de 2024

Um brinde à tristeza que me carcome.
Eu já aceitei meu amargo destino.
Sou um vazio, sofrendo desde menino,
Que foi registrado sem sobrenome.

O dissabor da noite já me consome;
Sinto subir à boca um retrogosto alcalino.
Meu espelho reflete tudo o que abomino,
Quem se mistura comigo farelo come.

Até no Zodíaco já busquei justificativa
Para essa minha existência à deriva.
Mas nem os astros responderam meu choro.

Eu tentei ser o homem da gravata florida,
Apenas para descobrir que minh'alma é lúrida.
Onde piso deixo um rastro de mau agouro.

V.

quarta-feira, 31 de julho de 2024

Na minha gaveta há muitas rimas mortas.
Rimas pobres, porém, ricas em saudade.
O texto mentiroso mais cheio de verdade:
A Poesia de amor escrita em linhas tortas.

Escrita pela mão que o baralho marcado corta.
Que sabe qual carta será puxada, sem vontade,
Por alguém que já duvida de minha idoneidade
De poeta vadio que com a vida não se importa.

Na metalinguagem das minhas rimas deixo escapar
Que na minha Musa não paro de pensar,
Mas apenas o mofo no fundo da gaveta lerá.

Rimas mortas servindo de matéria orgânica,
Farão crescer um bolor de aparência tifônica,
E que aos poucos meu pobre coração matará.

V.

domingo, 21 de julho de 2024

Não é mais sobre minha tristeza.
Não é mais sobre o que eu queria,
Nem sobre o amor que eu daria.
Não é mais sobre a tua beleza.

Agora é sobre a amarga estranheza
Que sinto ao pensar que me perderia,
E que neste papel encontraria
Mais um soneto sobre ti, ó ex-deusa.

Não é mais o que poderia ter sido.
Não é mais um poema que será lido.
Agora é um pensamento que já não é.

Agora é um sentimento que passou.
Só o papel encharcado de lágrimas ficou.
Meu amor virou uma nota de rodapé¹.

¹ já não é.
Vanderley Aguiar.

segunda-feira, 8 de julho de 2024

A vida é complexa.
Eu sou real. 
Sentir é complexo.
Sentimento é real.
Vivo entre o real e o imaginário,
Entre o sobrenatural e o ordinário.
Eu sou um ser complexo,
Vivendo uma vida real.
Eu amo, sofro, choro.
Eu sou.
Real.
Complexo.
E mais real ainda é o que sinto.
O mais complexo sentimento.
Que de tão real chega a ser imaginário.
Fictício.
Extraordinário.
Um amor complexo,
Inventado para ser real.

V.

quarta-feira, 22 de maio de 2024

Eu, este poeta triste e melancólico,
Possuo a nobreza enferrujada
De uma alma pobre, enjaulada,
Criada por um deus diabólico.

Perdida entre o literal e o simbólico,
Minha mente cansada, atordoada,
Sente uma culpa exagerada,
Fruto do meu passado católico.

Queria o mesmo fim dos ultrarromânticos.
Ou o dos roqueiros frenéticos,
Que antes dos trinta morreram imortais.

Mas não deixarei legado algum.
Mesmo que ainda viva até cem, cento e um!
Deixarei apenas textos tristes e imorais.

V.

quinta-feira, 9 de maio de 2024

Siga-me e comeremos a Sorte.
Roubaremos o néctar da escuridão,
Encheremos as veias de devassidão
E riremos da cara cínica da Morte.

Acredite, a Vida não devolve caução.
Não importa o tamanho do aporte,
Ou da reza para Cibele, a Consorte
Do Tempo, tu serás devorado. Em vão.

Então, nessa noite, viveremos, enfim.
Beberemos da água de beber, que Jobim
Trouxe da fonte do Poeta medroso.

Quando estivermos ébrios o suficiente,
Espero que a estrela da manhã nos atente.
Darei à minha vida um final esplendoroso.

V.

domingo, 5 de maio de 2024

Vejo faíscas quando deito e penso em ti.
Pode ser a mistura de álcool e Zolpidem,
Mas para esse artífice de rimas, convém
Transformar isso em versos, não resisti.

A ciência por trás das rimas, por ti, subverti,
Sendo essa cascata de faíscas que advém
Da intensidade mística do meu querer bem,
Apenas o jato de rimas faiscantes que verti.

Pensar nela é como um show de luzes.
É uma mistura de fármacos em altas doses.
Assim, a verdade está cada vez mais na cara.

Os efeitos colaterais dessas interações
São idênticos aos efeitos das paixões,
E no teto cintilante tu surges de forma clara.

V.


Até mesmo um poeta tem um limite
Do quanto ele aguenta sofrer
Por um amor que nunca poderá acontecer,
E que só serve para deixá-lo triste.

Mas o que mais ele poderia fazer,
Se toda hora que deita uma rima insiste
Em pulsar no seu peito triste,
Fazendo-o perder o sono e voltar a escrever?

Escrever para si mesmo, pois ela não lerá,
E provavelmente jamais saberá
Do quanto ele inadvertidamente a amou.

E como amou! Porém em sonhos e poesias,
Sofrendo das mais diversas discrasias,
Buscando a Quimera que jamais alcançou.

V.

sábado, 27 de abril de 2024

Nunca mais escreverei uma poesia.
Quebro a parede que me separa do papel,
E que o faz uma testemunha infiel,
De um amor que apenas eu escrevia.

Arcádia não passa de um bordel
Onde a vida além-papel é uma utopia.
E que o safado do meu eu-lírico já sabia:
Viver a vida idílica é uma morte cruel!

Meu último paradoxo em forma de poema.
O papel é o carrasco de uma rima blasfema,
E a arma dessa Inquisição é uma borracha.

Apagando o papel quebra-se a parede,
Desaba o meu eu-lírico morto de sede,
E nessa metáfora poesia nenhuma se acha.

V.