sexta-feira, 24 de outubro de 2025

Palavra é faca.
Estreita e larga.
Na ponta da língua,
Amarga.
A palavra rasga
O silêncio que engasga
Até o mais introvertido,
O menos divertido.
A palavra acre.
Que corrói o lacre.
O selo do silêncio.
A palavra é água
Que apaga o incêndio.
É vento.
É moinho.
É farinha.
É fubá.
A palavra é má,
E é boa.
E não tem valor algum.
Amoral.
Imoral.
A palavra é zero.
A palavra é um.
É diferente de zero até quando é nula.
Até quando é chula.
Até quando é chucra.
Vale pra quem perde,
Vale pra quem lucra.
A palavra é forte.
É fraca.
É vaca.
É boi.
É bezerro.
Palavra é nascimento,
Às vezes,
Enterro.

V.


quinta-feira, 23 de outubro de 2025

Eu tenho muitos sonhos.
Em cada sonho, um eu-onírico.
Que sonha outros sonhos mais.
Sonhos dentro de sonhos.
Onirismo infinito.
Às vezes sonho que sou um vilão
Que sonha ser um herói.
E vice-versa.
Às vezes eu não estou no sonho,
E é como se eu assistisse,
Do alto do meu subconsciente,
O sonho de outra pessoa.
Talvez seja isso mesmo.
Muitas vezes eu sonho acordado.
Um sonho meu,
Em que sou meu próprio eu-onírico.
Às vezes eu escrevo nos sonhos.
Poesias oníricas.
Talvez eu esteja sonhando agora.

V.


sexta-feira, 17 de outubro de 2025

Sonhei que caía num buraco.
Buraco sem fim.
Infinitamente fundo.
Infinitamente largo.
Sonhei que caía num buraco.
Acordei assustado,
Chutei a parede no susto.
Na cama havia uma pá.
E muita terra.
Minhas mãos estavam imundas.
E meu pé doía. 
Sonhei que caía num buraco.
Buraco sem fim,
Cavado por mim.

V.


terça-feira, 14 de outubro de 2025

Tuas asas, a mais pura psicodelia.
Quando batem, uma ventania:
Eólica força da natureza,
Do ghibli ao harmatão.
O olho do furacão.
O sopro, o tufão.
Eu, cata-vento.
Tu, ventania.
Tuas asas,
De Fada,
Batem.
E voo.
Pra
Ti.

V.

Haicai dos olhos que riem

Seu olhar sorridente
Esquenta o meu coração,
Bem-querer ardente!

V.

segunda-feira, 13 de outubro de 2025

O último solilóquio de um cigarro

Seu beijo molhado.
A umidade e o calor dos lábios,
O leve aperto dos dedos.
Indicador e médio.
Estou nas suas mãos.
Eu ardo.
Em brasa.
Sou totalmente consumido.
Agora corro nas suas veias
Como um espectro daquilo que um dia fui.
Ela se livra do que restou de mim,
Intoxicada.
Envenenada.
E, então, sou apagado.
Descartado.
Eu, que fui chama.
Eu, que fui brasa.
Eu, que fui fumaça.
Agora sou apenas uma memória.
Uma memória marcada pelo seu beijo,
Consumida pelo seu beijo,
Enterrada em cinzas.

V.


sábado, 27 de setembro de 2025

O Fado do Boêmio

Eu sou um inveterado bon-vivant.
O clássico boêmio emocionado,
Mas por dentro tão triste quanto um fado,
Por bebida, eu daria a alma a Satã.

Não levarei aflições para o divã.
Se guardá-las eu não serei julgado,
E terei apenas da vida gozado
Sem me preocupar com o amanhã.

O que mais poderia querer um boêmio?
Viver a boa vida é meu único prêmio,
Além de um doloroso final trágico.

Farras, amigos  e um amor inglório,
Mas no fim, estará vazio, o velório,
Deste poeta vadio e verborrágico.

V.


quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Aquele som rasgou a mortalha inteira.
De ponta a ponta, a gélida mortalha
Que separava os “deuses” da “gentalha”
Precisa, agora, de uma costureira.

E quem diria que o grito de um canalha
Colocaria um fim nessa fronteira!?
Nem a morte de um santo na fogueira
Havia rasgado tão divina malha!

Colocou toda a vil humanidade
De frente para a ignóbil “santidade”.
Um grito que tentaram abafar.

Grito de desespero que ainda ecoa,
Que tomou da cabeça oca a coroa,
Corrigiu uma injustiça milenar.

V.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Eu tusso. E minha tosse preenche o ar.
O ar já pesado e triste ao som do escarro
De quem saboreia o beijo do cigarro
Padecendo de doença pulmonar.

À noite, a tosse piora, falta-me ar!
E na garganta sinto esse pigarro,
Que ninguém sabe se é ácido ou catarro,
Mas com certeza ainda há de me matar.

Invejo quem nasceu com sadios brônquios,
Com suas vias aéreas livres de micróbios
Maléficos, e sem chiado no peito.

Fraco e anêmico está meu corpo físico,
Com a tristeza típica do tísico,
Esmorecido num último leito.

V.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

As minhas rimas são monocromáticas
E soam pálidas como a voz de um tísico,
Assim como qualquer recurso heurístico,
São cinzentas e, às vezes, problemáticas.

Minhas sílabas tônicas asmáticas
Evanescem no “espelho meu” narcísico.
O reflexo daquilo que era físico,
Enterrado, jaz em rimas pragmáticas.

Minhas estrofes morrem de um mal súbito,
Pois da escansão tornei-me outro prosélito!
Agora, sou refém desta hostil métrica.

Os meus extravagantes versos cínicos
Abrilhantam os vis poemas satíricos
Do horror pessoal padrão da minha estética.

V.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Eu sou o baralho marcado
Que se corta de maneira ludibriosa.
Eu sou a carta do Enforcado
Puxada por uma charlatã ardilosa.

Eu sou a hera venenosa
Que há de deixar-te intoxicado.
Eu sou a desilusão amorosa
Que deixou teu coração calcificado.

Eu minto. Eu finjo. Eu fujo.
Eu não passo de um bicho sujo
Viciado no próprio reflexo.

Eu sou a rima perdida na tradução.
A anedota antológica da aliteração
Forçada em um verso desconexo.

V.


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Chegou a temida noite de domingo.
A Besta-fera de dez diademas
Que me rasga o peito buscando poemas.
Mas quase nada rima com domingo!

Eu não encontro nem mesmo um "i" sem pingo!
Os domingos são como um par de algemas,
E das mãos presas vertem apostemas.
A razão de todo o meu choramingo.

Que dia maldito! E há quem chame de "santo".
O maior culpado por esse meu pranto
Que nunca me ajudaram a enxugar.

Para ser justo, a Besta-fera sou eu.
Um monstro que destrói tudo o que é meu
Na esperança de a tristeza expurgar.

V.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Às vezes eu até falo sobre amor.
Já escrevi poemas lindos e românticos,
Quem recebeu algum desses belos cânticos
Lembrará para sempre deste autor.

Uma doce poesia é como alfajor!
Um texto de amor em versos patéticos.
Azar desses que não têm dons poéticos,
Patetas incapazes de compor.

Piadas à parte (de fato, arrogância),
Eu não tenho toda essa rutilância,
Sou um monstro de completa escuridão.

E se há vezes em que meu papel brilha,
Se eu escrevo sobre alguma maravilha,
É porque eu sou um hábil charlatão.

V.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Arimã

E no Fim haverá somente o Abismo.
Reino onde um mitológico lunático
Refugia-se de um mal psicossomático
Escondido nas trevas do lirismo.

Nos braços de Arimã, esse iconoclástico
Professor de um dantesco fatalismo,
Com o seu axiológico hedonismo
Aninha-se no abraço hipercatártico.

Com o choro abafado pelo riso
Da Criatura do Último Juízo
Segue o poeta descendo em espiral.

“Do Nada veio, ao Vazio voltará”,
O último verso que ele rimará
Entrelaçado ao Mal primordial.

V.


Vaguei cabisbaixo e com vergonha
Por um mundo culto e recatado.
Com medo de gafes e ofensas
Sentava-me e calava-me
Como se culpado fosse.
Retirando de mim o próprio eu
Confundi o Ser com o Propósito.
Afoguei-me na minha própria amargura
E perdi-me em mim mesmo.
Apenas seguia sonhando com o dia
Em que uma doce alegria
Salgaria minh'alma insossa.

V.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Buscando meu heterônimo pelo Éter
Achei apenas seus restos de matéria.
E na sanguinolência da bactéria
Acabou-se a altivez do mau-caráter.

Virou húmus, com a graça de Deméter.
O sangue apodrecido em cada artéria
Aberta, exala sua última blasfêmia.
E, dos vermes, tornou-se Alma Mater.

É um ciclo de incertezas ontológicas;
É a Geena e suas forças sarcofágicas.
O fim do pensamento racional.

É nessa quintessência fria e hipotética
Que se devora, assim, de forma poética,
A arrogância de quem não era especial.

V.


domingo, 5 de janeiro de 2025

Esta escuridão no meu quarto assombra-me.
Já passa da meia-noite. Acendo a luz.
Apago a escuridão que me seduz,
Encaro o canto obscuro e um tanto infame.

E digo: "se há alguém aí, fale o seu nome!"
Silêncio, apenas, mas algo entreluz...
Prontamente, uno meus dedos em cruz!
Sinto que nos pulmões o ar já me some.

As pernas trepidam, falta-me o chão.
Sufoco com o horror e vejo, então:
É a lâmina da Morte que cintila.

Ouço o rangido da tesoura de Átropos.
E, com meus pensamentos misantropos,
Zombo da foice na ânsia de senti-la.

V.