sexta-feira, 21 de novembro de 2025

Fez-se eterna, ó tão efêmera noite.
Como ignis fatuus, breve e brilhante.
Fogo bravo, chicote para açoite
Que cintila de um jeito fascinante.

Fez-se efêmera, ó tão eterna noite,
Fugaz felicidade flamejante.
É fácil se assustar, mas não se afoite,
Há ainda mais surpresas logo adiante.

Uma noite que cabe a vida inteira,
Noite e dia, madrugada alcoviteira.
Fata Morgana ascende no horizonte,

Mas logo desce e para sempre some.
Breve noite eterna que o homem come,
Vê o Sol nascer do barco de Caronte.

V.

quarta-feira, 19 de novembro de 2025

Lucita de Aragón

Que sorte ter achado o amor divino!
Nos seus olhos castanhos cheios de vida,
Na bela pelagem preta comprida,
No incondicional amor canino!

Com você a vida não é mais dolorida,
Lembra-me os meus tempos de menino!
Que sorte ter achado o amor divino
Nos seus olhos castanhos cheios de vida!

Foi esse seu bem-querer tão genuíno
Extravasado em cada lambida,
Que felizmente guiou-me até a saída
Do horror virgiliano alcalino.
Que sorte ter achado o amor divino!

V.

quarta-feira, 12 de novembro de 2025

Arimã

E no Fim haverá somente o Abismo.
Reino onde um mitológico lunático
Refugia-se de um mal psicossomático
Escondido nas trevas do lirismo.

Nos braços de Arimã, esse dogmático
Professor de um dantesco fatalismo,
Com o seu axiológico hedonismo
Aninha-se no abraço idiossincrático.

Com o choro abafado pelo riso
Da Criatura do Último Juízo
Segue o poeta descendo em espiral.

“Do Nada veio, ao Vazio voltará",
O último verso que ele rimará
Entrelaçado ao Mal primordial.

V.

terça-feira, 4 de novembro de 2025

Ozymandias (P. B. Shelley)

Vindo de antiga Terra encontrei um viajante
Que disse: - Ali estão pernas de pedra enormes,
Decepadas, no deserto não tão distante,
Soterrado, um rosto jaz com feições disformes,
E um sorriso oblíquo de quem era arrogante.
Seu escultor talhou com maestria cada paixão,
Emanando da pedra sem vida vereis
A mão que o zombava e ao que nutria o coração.
Nesse pedestal encontrareis tais escritos:
"Meu nome é Ozimândias, Rei de todos os Reis,
Vede o meu poder e gelai vossos espíritos!”
Nada mais, porém, resta. Além da decadência
Daquelas ruínas vós vereis com nitidez
Apenas areia, e toda sua complacência.

Tradução: V.

segunda-feira, 3 de novembro de 2025

Ontem eu não sonhei contigo, infelizmente.
Lia meus pensamentos, do alto, flutuando,
Hora estava amando, outra hora, estava odiando.
Odiando a mim mesmo, minha própria mente.
Sonhos-delírios vistos por quebrada lente:
Caleidoscópio onírico despetalando
As flores do jardim-sonho, fantasiando,
Solitário, sofrendo sozinho, somente.
Tu não estavas naquele sonho, Ma Chérie.
A minha mente - meu reflexo - não sorri.
Não consigo esboçar um sorriso amarelo.
Hoje, tenho esperanças de que sonharei
O sonho que contigo outras vezes sonhei,
Sonho compartilhado, reluzente, belo.

V.


domingo, 2 de novembro de 2025

A infância passou rápido, cresci.
Ficaram em mim marcas e memórias.
Hoje escrevo essas minhas boas histórias:
As bênçãos que não sei se mereci.

Vi as vezes em que vivi vitórias
Nas fotos que não me reconheci.
A infância passou rápido, cresci.
Ficaram em mim marcas e memórias.

Alegrias se foram, entristeci.
Já não conquisto (nem mereço) glórias,
Minhas escolhas são contraditórias,
E agora que estou velho, adoeci.
A infância passou rápido, cresci…

V.


Gosto de ficar em silêncio.
- Silêncio!
Por fora.
Por dentro, chiado ensurdecedor.
Meus pensamentos.
Aos gritos.
Teia de ideias.
Fonte inesgotável.
- Silêncio!
São muitos silêncios.
Por fora.
Por dentro, ruído branco.
Sinais sem sintonia.
- Silêncio!
Por fora.
Por dentro, orquestra.
Músicas misturadas na memória.
Rebobinar, regravar, reverberar.
Aliterar.
- Silêncio!
Um pot-pourri de silêncios.
Por fora.
Por dentro, fila de rodoviária.
Quem chegará?
Quem partirá?
Olás e adeus.
- Silêncio!
Por fora.

V.

sábado, 1 de novembro de 2025

Não escreverei nenhuma poesia.
A verdade é que a vida no papel
Pode ter sabor de mel ou de fel,
De profunda tristeza ou de alegria.

Arcádia é uma espécie de bordel.
Tudo neste papel é utopia.
Meu eu-lírico astuto já sabia:
A minha lira é uma arma cruel.

Um paradoxo em forma de poema.
Já montei meu infeliz estratagema:
Trocarei a lira por algum solvente.

Apagarei da mente a minha Musa
Antes que essa fantástica medusa
Transforme em pedra toda a minha mente.

V.