sexta-feira, 20 de junho de 2025

As minhas rimas são monocromáticas
E soam pálidas como a voz de um tísico,
Assim como qualquer recurso heurístico,
São cinzentas e, às vezes, problemáticas.

Minhas sílabas tônicas asmáticas
Evanescem no “espelho meu” narcísico.
O reflexo daquilo que era físico,
Enterrado, jaz em rimas pragmáticas.

Minhas estrofes morrem de um mal súbito,
Pois da escansão tornei-me outro prosélito!
Agora, sou refém desta hostil métrica.

Os meus extravagantes versos cínicos
Abrilhantam os vis poemas satíricos
Do horror pessoal padrão da minha estética.

V.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Eu sou o baralho marcado
Que se corta de maneira ludibriosa.
Eu sou a carta do Enforcado
Puxada por uma charlatã ardilosa.

Eu sou a hera venenosa
Que há de deixar-te intoxicado.
Eu sou a desilusão amorosa
Que deixou teu coração calcificado.

Eu minto. Eu finjo. Eu fujo.
Eu não passo de um bicho sujo
Viciado no próprio reflexo.

Eu sou a rima perdida na tradução.
A anedota antológica da aliteração
Forçada em um verso desconexo.

V.


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Chegou a temida noite de domingo.
A Besta-fera de dez diademas
Que me rasga o peito buscando poemas.
Mas quase nada rima com domingo!

Eu não encontro nem mesmo um "i" sem pingo!
Os domingos são como um par de algemas,
E das mãos presas vertem apostemas.
A razão de todo o meu choramingo.

Que dia maldito! E há quem chame de "santo".
O maior culpado por esse meu pranto
Que nunca me ajudaram a enxugar.

Para ser justo, a Besta-fera sou eu.
Um monstro que destrói tudo o que é meu
Na esperança de a tristeza expurgar.

V.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Às vezes eu até falo sobre amor.
Já escrevi poemas lindos e românticos,
Quem recebeu algum desses belos cânticos
Lembrará para sempre deste autor.

Uma doce poesia é como alfajor!
Um texto de amor em versos patéticos.
Azar desses que não têm dons poéticos,
Patetas incapazes de compor.

Piadas à parte (de fato, arrogância),
Eu não tenho toda essa rutilância,
Sou um monstro de completa escuridão.

E se há vezes em que meu papel brilha,
Se eu escrevo sobre alguma maravilha,
É porque eu sou um hábil charlatão.

V.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Arimã

E no Fim haverá somente o Abismo.
Reino onde um mitológico lunático
Refugia-se de um mal psicossomático
Escondido nas trevas do lirismo.

Nos braços de Arimã, esse iconoclástico
Professor de um dantesco fatalismo,
Com o seu axiológico hedonismo
Aninha-se no abraço hipercatártico.

Com o choro abafado pelo riso
Da Criatura do Último Juízo
Segue o poeta descendo em espiral.

“Do Nada veio, ao Vazio voltará”,
O último verso que ele rimará
Entrelaçado ao Mal primordial.

V.


Vaguei cabisbaixo e com vergonha
Por um mundo culto e recatado.
Com medo de gafes e ofensas
Sentava-me e calava-me
Como se culpado fosse.
Retirando de mim o próprio eu
Confundi o Ser com o Propósito.
Afoguei-me na minha própria amargura
E perdi-me em mim mesmo.
Apenas seguia sonhando com o dia
Em que uma doce alegria
Salgaria minh'alma insossa.

V.

domingo, 12 de janeiro de 2025

Buscando meu heterônimo pelo Éter
Achei apenas seus restos de matéria.
E na sanguinolência da bactéria
Acabou-se a altivez do mau-caráter.

Virou húmus, com a graça de Deméter.
O sangue apodrecido em cada artéria
Aberta, exala sua última blasfêmia.
E, dos vermes, tornou-se Alma Mater.

É um ciclo de incertezas ontológicas;
É a Geena e suas forças sarcofágicas.
O fim do pensamento racional.

É nessa quintessência fria e hipotética
Que se devora, assim, de forma poética,
A arrogância de quem não era especial.

V.