quarta-feira, 3 de setembro de 2025

Aquele som rasgou a mortalha inteira.
De ponta a ponta, a gélida mortalha
Que separava os “deuses” da “gentalha”
Precisa, agora, de uma costureira.

E quem diria que o grito de um canalha
Colocaria um fim nessa fronteira!?
Nem a morte de um santo na fogueira
Havia rasgado tão divina malha!

Colocou toda a vil humanidade
De frente para a ignóbil “santidade”.
Um grito que tentaram abafar.

Grito de desespero que ainda ecoa,
Que tomou da cabeça oca a coroa,
Corrigiu uma injustiça milenar.

V.


segunda-feira, 14 de julho de 2025

Eu tusso. E minha tosse preenche o ar.
O ar já pesado e triste ao som do escarro
De quem saboreia o beijo do cigarro
Padecendo de doença pulmonar.

À noite, a tosse piora, falta-me ar!
E na garganta sinto esse pigarro,
Que ninguém sabe se é ácido ou catarro,
Mas com certeza ainda há de me matar.

Invejo quem nasceu com sadios brônquios,
Com suas vias aéreas livres de micróbios
Maléficos, e sem chiado no peito.

Fraco e anêmico está meu corpo físico,
Com a tristeza típica do tísico,
Esmorecido num último leito.

V.

sexta-feira, 20 de junho de 2025

As minhas rimas são monocromáticas
E soam pálidas como a voz de um tísico,
Assim como qualquer recurso heurístico,
São cinzentas e, às vezes, problemáticas.

Minhas sílabas tônicas asmáticas
Evanescem no “espelho meu” narcísico.
O reflexo daquilo que era físico,
Enterrado, jaz em rimas pragmáticas.

Minhas estrofes morrem de um mal súbito,
Pois da escansão tornei-me outro prosélito!
Agora, sou refém desta hostil métrica.

Os meus extravagantes versos cínicos
Abrilhantam os vis poemas satíricos
Do horror pessoal padrão da minha estética.

V.

segunda-feira, 31 de março de 2025

Eu sou o baralho marcado
Que se corta de maneira ludibriosa.
Eu sou a carta do Enforcado
Puxada por uma charlatã ardilosa.

Eu sou a hera venenosa
Que há de deixar-te intoxicado.
Eu sou a desilusão amorosa
Que deixou teu coração calcificado.

Eu minto. Eu finjo. Eu fujo.
Eu não passo de um bicho sujo
Viciado no próprio reflexo.

Eu sou a rima perdida na tradução.
A anedota antológica da aliteração
Forçada em um verso desconexo.

V.


domingo, 9 de fevereiro de 2025

Chegou a temida noite de domingo.
A Besta-fera de dez diademas
Que me rasga o peito buscando poemas.
Mas quase nada rima com domingo!

Eu não encontro nem mesmo um "i" sem pingo!
Os domingos são como um par de algemas,
E das mãos presas vertem apostemas.
A razão de todo o meu choramingo.

Que dia maldito! E há quem chame de "santo".
O maior culpado por esse meu pranto
Que nunca me ajudaram a enxugar.

Para ser justo, a Besta-fera sou eu.
Um monstro que destrói tudo o que é meu
Na esperança de a tristeza expurgar.

V.

quinta-feira, 30 de janeiro de 2025

Às vezes eu até falo sobre amor.
Já escrevi poemas lindos e românticos,
Quem recebeu algum desses belos cânticos
Lembrará para sempre deste autor.

Uma doce poesia é como alfajor!
Um texto de amor em versos patéticos.
Azar desses que não têm dons poéticos,
Patetas incapazes de compor.

Piadas à parte (de fato, arrogância),
Eu não tenho toda essa rutilância,
Sou um monstro de completa escuridão.

E se há vezes em que meu papel brilha,
Se eu escrevo sobre alguma maravilha,
É porque eu sou um hábil charlatão.

V.


domingo, 26 de janeiro de 2025

Arimã

E no Fim haverá somente o Abismo.
Reino onde um mitológico lunático
Refugia-se de um mal psicossomático
Escondido nas trevas do lirismo.

Nos braços de Arimã, esse iconoclástico
Professor de um dantesco fatalismo,
Com o seu axiológico hedonismo
Aninha-se no abraço hipercatártico.

Com o choro abafado pelo riso
Da Criatura do Último Juízo
Segue o poeta descendo em espiral.

“Do Nada veio, ao Vazio voltará”,
O último verso que ele rimará
Entrelaçado ao Mal primordial.

V.